terça-feira, 16 de março de 2010

Para viver um grande amor

Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso - para viver um grande amor. Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro - seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausura-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada - para viver um grande amor. Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só, vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado para chatear o grande amor. Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade - para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vaidade é desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor. Para viver um grande amor, além de ser fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô - para viver um grande amor. Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito - peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor. É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista - muito mais, muito mais que na modista! - para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor... Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, estrogonofes - comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra a cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor? Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto - pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente - esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia saber gastar dinheiro com poesia - para viver um grande amor. É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que - que não quer nada com o amor. Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva obscura e desvairada não se souber achar a bem-amada para viver um grande amor. Vinicius de Moraes